Os meus livros preferidos de Rómulo de Carvalho |
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Eis a lista, comentada, das minhas cinco obras preferidas. Segue-se a ordem cronológica da primeira edição. História da energia nuclear (Coimbra: Atlântida, 1962) Nono volume da colecção «Ciência para Gente Nova» (todos da autoria de Rómulo de Carvalho, excepto o n.º 6 de Ilídio Sardoeira). A capa é do poeta António Gedeão, que assim mostra que os seus dotes artísticos não se resumiam à poesia. A energia nuclear foi o grande motivo impulsionador da ciência no rescaldo da Segunda Guerra Mundial. Prometia, por um lado, o equilíbrio de forças militares e, por outro, energia barata e eterna para as necessidades humanas. Se hoje sabemos que o equilíbrio de forças era precário e que a energia nuclear, apesar de conveniente, não está isenta de perigos, facto é que o núcleo atómico desempenhou no imaginário da geração dos anos cinquenta e sessenta um lugar muito especial. Houve quem quis ser cientista para saber os segredos do pequeno átomo e do pequeníssimo núcleo no seus eio. Rómulo de Carvalho, em vários livros, contou a essa gente (contou-nos) a história do átomo e do núcleo. Insistiu que a ciência, nomeadamente a mais moderna, é feita de construção, de curiosidade e esforço de homens e mulheres reais. Disse-nos que a ciência estava viva e se recomendava. Fomos, alguns de nós, atraídos para a ciência por histórias tão atraentes como as que são relatadas nesta História da Energia Nuclear. A Física no dia-a-dia (Lisboa: Relógio d’Água, 1996, com pref. de José Mariano Gago. Reed. de Física para o povo. Coimbra: Atlântida, 1968, 2 vols.) Conjunto de prosas extremamente didácticas, feitas a pensar directamente no cidadão comum, a quem o autor trata carinhosamente por «meu caro amigo». Infelizmente, esses textos não são ainda suficientemente conhecidos, nem mesmo na comunidade dos professores de Física e Química. Merecem sê-lo mais. É extremamente claro e elucidativo o modo como o autor, a propósito dos mais variados objectos e fenómenos do quotidiano, mostra como a Física está omnipresente à nossa volta. A Física não é uma ciência exótica mas a ciência que procura descrever e explicar o mundo onde vivemos. Por isso é forçoso recorrer a experiências. Vejamos o modo coloquial como uma experiência simples, relacionada com a lei da impulsão de Arquimedes, é descrita no segundo volume: «Faça assim. Comece por deitar pouca água no frasco, rolhe-o e ponha-o na água da panela. Deve ter ficado a flutuar. Tire-o daí e deite-lhe um pouco mais de água, mas só algumas gotas. Experimente a ver se flutua. Flutua? Deite-lhe mais umas gotas. Foi para o fundo? Tire-lhe um pouco de água. É só uma questão de paciência e de cuidado, como disse. Basta uma gota de água para estragar tudo. […] Ora aqui tem um submarino. O que o meu amigo fez foi um submarino.» Da experiência de cozinha passou-se rapidamente e, sem se dar por isso, para uma aplicação prática. Da ciência passou-se à tecnologia. Mais adiante, no mesmo segundo volume, e a propósito de um brinquedo de soprar, popularmente designado por «língua-de-sogra», Carvalho chama divertidamente a atenção para a necessidade de sustentar todas as afirmações com o saber que só a experiência pode dar: «Parece mesmo uma língua, e como é comprida, lembraram-se de lhe chamar «língua-de-sogra». Não sei se a língua das sogras é mais comprida do que a das outras pessoas. Experimente o meu amigo a medir uma para ver se é verdade.» Feynman, a quem se conhece um humor muito peculiar, não diria ,melhor o que este nosso autor, a quem o confinamento à língua portuguesa impediu o atempado reconhecimento internacional.
(Coimbra: Universidade de Coimbra, 1978) Grande volume de 725 páginas, feito na Gráfica de Coimbra, quando ela ainda habitava o Bairro de S. José, junto ao seminário e não longe da Universidade. O aspecto é austero, como quase todas as edições da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. Essa Biblioteca ainda deve possuir em armazém alguns exemplares remanescentes (O seu actual director, Prof. Aníbal Pinto de Castro, foi de resto aluno de Rómulo de Carvalho, no liceu D. João III, de quem recorda ainda a elegância dos gestos ao manipular os tubos de ensaio e as pipetas). As folhas têm de se abrir à maneira antiga, uma a uma, como quem descobre um segredo. De facto, de segredos se tratam – descrevem-se os preciosos instrumentos científicos da colecção do Museu de Física da Universidade de Coimbra. Essa colecção, que hoje finalmente pode ser visitada in situ pelo público interessado (o Museu de Física está aberto no edifício pombalino do Largo Marquês de Pombal, na Alta não destruída de Coimbra) e que estará, pelo menos parcialmente, em exibição na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, remonta ao Colégio dos Nobres, em Lisboa. Foi Rómulo de Carvalho quem contou a História do Colégio dos Nobres, num volume da editora Atlântida que ainda há pouco estava à venda na Livraria Escolar Editora, ao campo Grande. Foi também Rómulo de Carvalho quem escreveu vários opúsculos de investigação histórica sobre alguns dos instrumentos e acontecimentos mais notáveis da colecção do «Gabinete de Física», estabelecido sob a supervisão pessoal do Marquês de Pombal em 1772 (por exemplo, contou-nos a história do magnete chinês ou a pretensa descoberta da lei das acções magnéticas pelo professor italiano Dalla Bella). Foi, finalmente, Rómulo de Carvalho, quem, no livro em apreço, analisa, peça a peça, o espólio do Museu, tal como ele foi inventariado no século XVIII por Dalla Bella. O actual catálogo («O Engenho e a Arte»), que no essencial retoma o catálogo «Les Méchanismes du Génie», da exposição na Europália, realizada em Charleroi (Bélgica), seria praticamente impossível sem o trabalho meticuloso que Rómulo de Carvalho realizou no Museu de Física quando este ainda estava fechado à curiosidade e á admiração de todos nós.
(Lisboa: Sá da Costa, 1979) Numero 2 dos Cadernos de Iniciação Científica, da editora Sá da Costa. Esses cadernos destinavam-se a jovens dos 9 aos 15 anos, e «pretendem ser um meio de informação atraente, pela simplicidade da linguagem e pela apresentação gráfica, de conceitos fundamentais das ciências físicas, sem os quais se torna duvidosa a aquisição consciente de conhecimentos de níveis mais elevados. […] Os presentes Cadernos não respeitam nenhuma programação oficial mas acompanham-na, como não podia deixar de ser» (do texto de apresentação da colecção, que deve ser da autoria de Rómulo de Carvalho). Os livros, por virtude do desrespeito dos programas, continuam actuais. Podem-se comprar, baratos, na Feira do Livro. Recomendamos a aquisição da colecção completa. Se se esgotarem, ou talvez mesmo antes disso, recomendamos ao editor que edite tudo num só volume. Fica mais bonito na estante e é mais fácil de consultar. Só é pena que muitos manuais didácticos, dos anos setenta e até dos anos de hoje, não tenham a claridade nem a apresentação, sóbria mas cativante, destes finíssimos volumes (o volume em apreço tem só 16 páginas). Não faltam as notas históricas, as fotografias de montagens experimentais, os esclarecimentos sobre a linguagem (por exemplo, o autor informa, em nota, que a palavra «curva» num gráfico pode referir-se a uma recta), nem sequer uma ponta de humor, dada por duas bem-dispostas anedotas no final. Rómulo de Carvalho invoca, no pórtico, Luís António Verney, num texto de 1746: «Não devemos querer que a Natureza se componha segundo as nossas ideias; mas devemos acomodar as nossas ideias aos efeitos que observamos na Natureza». Mas vale a pena aqui invocar Carvalho, no texto de 1979, bem reminiscente de Verney: «Fala-se às vezes de experiências realizadas que “não deram resultado”. Isto são palavras vãs. Todas as experiências dão resultado e todos os resultados delas são positivos. O que a experiência pode não dar é o resultado que se pretendia que desse ou que se esperava dela. Dir-se-á então, que “a experiência foi mal feita”, que “a experiência falhou”. Não foi mal feita nem falhou. Aquela experiência, feita nas condições, em que foi feita, deu aquele resultado, e o resultado só podia ser aquele. Está certa, portanto. Foi o que a experiência deu?» Poder-se-á ser mais claro?
(Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986) Tratam-se de quase mil páginas, que, conforme vem logo no prefácio, pretendem colmatar o vazio da falta de uma obra similar. Com o subtítulo «Desde a fundação da nacionalidade até ao fim do regime de Salazar-Caetano», é um livro verdadeiramente enciclopédico, contendo informação rigorosa que é aqui e ali contrabalançada por opiniões pessoais (veja-se, por exemplo, no final o modo bem simpático como é tratado José Veiga Simão, o último Ministro da Educação mencionado). O livro é obrigatório para todos os que se interessam pelo ensino em Portugal. O ensino de hoje é, afinal, resultado de um passado feito de mil incidentes e circunstâncias que não podem ser ignorados se queremos compreender e modificar o presente. Tal como O Texto Poético como Documento Social, o livro termina com a revolução de 25 de Abril de 1974. Apesar de lhe ter sobrevivido 23 anos, Rómulo de Carvalho foi, decididamente, um homem do tempo anterior. Habituado ao silêncio de uma rebelião intelectual extravasada apenas em certos textos poéticos de clara crítica socio-política, não compreendeu facilmente o ruído que se seguiu e que foi o «intermezzo» necessário à introdução do novo regime democrático. De resto, achou e bem que não se deve escrever em cima dos acontecimentos. Rómulo de Carvalho não foi apenas um grande pedagogo mas também um dos maiores estudiosos da pedagogia em Portugal. Este livro ficará como um clássico. Gazeta de Física, Lisboa, vol. 20, fasc. 1 (1997), p. 15-17 |
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